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Do voluntariado à responsabilidade social: Construção e Desconstrução Histórica da Filantropia no Brasil

Do voluntariado à responsabilidade social: Construção e Desconstrução Histórica da Filantropia no Brasil
Por Juliana Isabele Gomes Probst

Recordando a história do Brasil para analisar as nuances sociais do país, pensando na questão em torno do voluntariado/filantropia até a responsabilidade social, podemos inferir que essa foi diretamente influenciada pelas políticas econômicas e demais decisões presidenciais adotadas, sobretudo na década de 30, momento em que acirraram-se as demandas em torno das questões sociais, ou seja, o aumento das desigualdades de moradia, saúde, educação e as paupérrimas condições de trabalho da população.

Intitulada como filantropia, as ações sociais voluntárias e caritativas pioneiras no Brasil ficaram conhecidas por serem realizadas pelas senhoras da elite católica e pelo trabalho das Santas Casas de Misericórdia, as quais atuavam para mitigar o sofrimento dos mais pobres.

Ao longo do século XX, especialmente nas décadas de 1930 e 1940, grandes transformações no mundo trabalho ocorreram no país, fruto da luta da classe operária e dos sindicatos, na busca por melhores condições de subsistência.

Valentim (2003) afirma que no Brasil, a configuração da “questão social”, deu-se a partir de 1930, refletindo o avanço da divisão social do trabalho, vinculando-se portanto, à emergência do trabalho assalariado e do acumulo de riquezas, a partir da revolução industrial.

Nas primeiras décadas do século XX, com a crescente discussão em torno da questão social na América Latina, decorrente das expressões das contradições embutidas no processo de formação capitalista, começou-se a demandar respostas e intervenções ante as demandas sociais, especialmente as implementadas pela Igreja e pelo Estado, através de políticas sociais.

A implementação de Legislações no Brasil, sobretudo as voltadas as políticas sociais – embora fossem tímidas – vinham na tentativa de garantir o mínimo de dignidade à classe operária, que sofria com baixos salários, elevadas jornadas e pouca segurança no exercício do trabalho.

Embora o trabalhador sofresse constantemente com as mazelas da questão social, decorrentes do modo de produção capitalista e com a mais-valia1, além de ser considerado um alienado social, há que se considerar que a legislação conferiu, ainda que minimamente uma segurança jurídica ao trabalhador.

Os ideais de garantir, ainda que minimamente, condições aos trabalhadores advinham da ideia de que para a reprodução da vida social e da perpetuação do modelo econômico em vigência, era necessário que os trabalhadores tivessem acesso a recursos primários2. Neste sentido, a prerrogativa de conceder benefícios aos trabalhadores nada mais era que uma forma enrustida de balizar as consequências do modo de produção capitalista, a fim de conter e mediar os problemas sociais e de divisão de classes que ele ocasionava.

Assim, é possível observar que a elite burguesa não desejava a ocorrência de uma revolução da classe trabalhadora para contestar o modo de produção vigente, preferindo, então, ceder em alguns pontos e recuperar o pouco perdido, do que pôr em risco a propriedade privada dos meios de produção.

Entendia-se, por tanto, que para a perpetuação e ampliação do modo capitalista de produção era necessário conferir não apenas as relações de trabalho, mas estender a todas as esferas da vida social e das relações sociais, uma vez que a vida do trabalhador vai muito além das forças de trabalho e dos meios objetivos da produção e/ou da distribuição e troca de mercadorias.

Embora o trabalho seja a base da vida humana, os homens são impulsionados pelas necessidades do cotidiano. Assim, a reprodução social inflige na família, no lazer, na escola, no poder etc., como também na profissão (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005). Segundo Marx (2013), com as necessidades primárias satisfeitas, surgem outras que exigem do homem novas soluções e o direcionando a novas relações com outros homens.

Vazquez, 1977, p. 9 complementa que,

enredado nesse conjunto de relações sociais, como um ser social e histórico, este desenvolve a sua práxis, atividade material pela qual ele “faz o mundo humano” e se transforma a si mesmo. Assim, através de contínuas transformações das condições sociais, realizadas pela práxis humana, foram sendo gerados os progressos econômico e social, bem como toda uma cultura. (VARQUEZ, 1997).

 

Iamamoto, 2006, p. 30, pondera que em relação ao capital, este supõe uma relação social determinante que dá a dinâmica e a inteligibilidade de todo o processo de vida social, ou seja, o homem precisa do capital para a satisfação das suas necessidade, e esse capital é transformado sob forma de mercadoria não somente aquelas indispensáveis a sua sobrevivência, mas também a própria condição de trabalho do homem e sua própria força de trabalho. Neste âmago, segundo a Autora, o salário, embora à primeira vista apareça como o preço do trabalho, é o preço da força de trabalho.

Iamamoto (2006), faz ainda uma reflexão final sobre o tema conduzindo a concepção de que:

[…] a história do capitalismo mostra como as ideias legitimaram uma exploração permanente, injustiças flagrantes que foram sendo encobertas por novas ideias, símbolos e valores. Para que a população aceitasse o capitalismo como bom e racional, o lucro como sendo a mola propulsora das atividades, as desigualdades sociais como aquelas que seriam superáveis com o tempo, contingenciais, os conflitos como disfunções à ordem vigente, a sociedade e o Estado burguês busca e cria mecanismos de fortalecimento dos aparelhos ideológicos que alimentam e reforçam o consenso, como a escola, os meios de comunicação e outros para manterem a dominação utilizando de todos os meios para isso. O Estado, entretanto, vai se estruturando o chamado Estado do Bem Estar Social, que tente manter a coesão social regular e controlar o desenvolvimento capitalista, principalmente, ampliando o setor social – previdência, saúde. (IAMAMOTO, 2006).

 

Pensando a respeito dos importantes movimentos criados na década de 20 e que tem influência direta na década de 30, precisamos relembrar da Associação das Senhoras Brasileiras – 1920 – Rio de Janeiro e da Liga das Senhoras Católicas – 1923 – São Paulo. Essas instituições surgem dentro do movimento de reação católica e visam atender demandas oriundas do processo de desenvolvimento capitalista.

Segundo Olema (2008), neste período o Brasil passava por um incipiente processo de industrialização, sendo que de 1930-1935 o governo sofria com as pressões da classe trabalhadora que passou a ser controlada por organismos normatizadores e disciplinares do trabalho, em especial pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio.

Neste contexto, a Autora afirma que

[…] em meio a pressões populares, reassume o governo Getúlio Vargas (1935), cuja opção pelo crescimento urbano – industrial fez emergir, na sua gênese capitalista, a Questão Social, que também decorre das pressões e dos questionamentos da sociedade da época, que passava por grandes transformações, no plano do conhecimento científico, sob a influência de Durkheim, Darwin, Marx, Freud e outros (PELLIZZER, 2008, p. 15).

 

A nível governamental, por tanto, pouco se olhava aos menos favorecidos, sendo tardia a compreensão da necessidade de intervenção estatal sobre tal demanda. Enquanto, no Brasil os Ideais de crescimento econômico fundamentavam a lógica de criação das ações sociais, nos países latino americanos, emerge a ideia do desenvolvimentismo, entendido como uma possibilidade de superação do subdesenvolvimento presente nos países da região.

Como é sabido, os planos desenvolvimentistas não alcançaram os resultados esperados e a forte presença de capital estrangeiro no país, entendida como necessária para o desenvolvimento nacional, não geraram um desenvolvimento nacional, mas sim a criação e abertura de multinacionais no país. Neste sentido, Lima (2016) et all, reflete que

O que se observa, em verdade, é a construção de uma indústria no Brasil e não uma indústria do Brasil. O surgimento de uma economia urbano-industrial traz à tona a necessidade de entidades assistenciais para atender às demandas postas e controlar as lutas sociais. (LIMA; SEABRA, PRUNIER et all., 2016).

 

Ante ao mencionado, para refletirmos a despeito do voluntariado e da filantropia, preliminarmente precisamos recorrer aos fatos históricos, para compreender o que hoje compreendemos como trabalho voluntario.

Nesta perspectiva, vejamos abaixo os fundamentos e fatos históricos que permeiam a criação do voluntariado.

 

I – ACONTECIMENTOS HISTÓRICOS NO BRASIL: ANÁLISE SOCIAL, POLÍTICA E ECONÔMICA DAS DÉCADAS DE 1930-40

 

A década de 1930 aparece como um período central na sociedade brasileira, uma vez que a Revolução de 30 conduziu o país a um processo de reivindicações e solicitações de mudança no âmbito social, político e econômico, criando condições para o restabelecimento de novas relações entre Estado e sociedade.

O processo de industrialização e a introdução das máquinas no processo produtivo, colocou o proletariado como novo ator social no cenário nacional, fato que evidenciou as desigualdades sociais existentes, dando visibilidade às tensões presentes nas relações de trabalho, agravando a questão social, que até então era compreendida como um desajuste social.

A presença do proletariado nos centros urbanos intensificou a taxa de crescimento da população, gerando problemas habitacionais de moradias irregulares e em precárias condições, acirramento das discrepâncias no âmbito educacional, de assistência, infraestrutura e tantos outros.

Segundo Iamamoto e Carvalho (2008),

a pressão exercida pelo proletariado, presente mesmo nas conjunturas específicas em que sua luta não se fez imediata e claramente presente como manifestação aberta, permaneceu constantemente no pano de fundo a partir do qual diferentes atores sociais mobilizaram políticas diferenciadas. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988).

 

Na concepção de Ianni (1979, p. 13): “O que caracteriza os anos posteriores à Revolução de 30 é o fato de que ela cria condições para o desenvolvimento do Estado burguês”, mediante a instauração de medidas públicas protetivas ao trabalhador.

No período compreendido entre 1930 e 1945, o Estado instituiu, então, as medidas políticas sociais para amparar e proteger o trabalhador, mas que também limitavam a atuação política da classe trabalhadora, já que na verdade apenas balizavam de forma enrustida, o silenciamento dos movimentos sociais, as expressões e as reivindicações do operariado, por meio da promulgação de leis e decretos, criando comissões, conselhos, departamentos e campanhas com o objetivo de ordenar e reorientar as atividades produtivas em geral.

Nesse contexto, podemos elencar a criação de alguns ministérios, órgãos e empresas ao longo da década de 1930, sendo elas: a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio – 1930; em 1932, o Ministério da Educação e Saúde Pública; em 1934, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários e dos Bancários; em 1938, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), que era um órgão vinculado ao Ministério da Educação e Saúde.

Já na década de 1940, podemos elencar que foram constituídos o imposto sindical, o salário mínimo e o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS). Em 1942, foi instituído o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a qual originou o Programa Nacional de Voluntariado (PRONAV).

Ainda na década de 40, mais especificamente no ano de 1943, houve a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e, em 1945, a instauração do Decreto-Lei n. 7.666, que discorria sobre atos contrários à ordem moral e econômica. Essas e outras ações governamentais foram respostas a situações e problemas emergentes da nova configuração política, social e econômica brasileira para o período.

Além dessas medidas, o movimento político dos anos de 1930 possibilitou a reaproximação da Igreja Católica com o Estado, dando início a um intenso período de intervenção, que tinha como objetivo recristianizar, moralizar e “moldar” a sociedade aos padrões éticos religiosos da época.

A igreja oferecia, por tanto, suporte às políticas do Estado, e Getúlio Vargas (então presidente) cooperava com muitos dos propósitos da instituição, preocupada com a restauração cristã da sociedade brasileira (MONTENEGRO, 1972).

Neste sentido, podemos dizer que foi no processo de emergência das classes sociais – proletariado e burguesia nacional –, a expansão do capitalismo e o acirramento das mazelas sociais que impulsionaram e questionaram a civilização sobre a necessidade de intervenção frente à crescente demanda e procura por direitos, ainda que mínimos.

 

II – MATRIZES DO PENSAMENTO SOCIAL: INFLUÊNCIAS AO VOLUNTARIADO

 

Como mencionado alhures, o movimento político ocorrido no Brasil em 1930 (Revolução de 30) estabeleceu um período de intervenção social da Igreja e da sua aproximação com o aparelho estatal.

Em linhas gerais, se analisarmos o decorrer da história do Brasil, muitos fatos marcantes e significativos ocorreram e foram responsáveis por mudanças relevantes no âmbito social.

As leis sociais, por exemplo, marcam, segundo Iamamoto e Carvalho (1988),

[…] o deslocamento da questão social de ser apenas a contradição entre abençoados e desabençoados pela fortuna, pobres e ricos, ou entre dominantes e dominados, para constituir-se, essencialmente, na contradição antagônica entre burguesia e proletariado, independentemente do pleno amadurecimento das condições necessárias à sua superação. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988, p.129).

 

Ainda segundo a concepção das autoras, se “as Leis Sociais são, em última instância, resultantes da pressão do proletariado pelo reconhecimento de sua cidadania social”.

Foi através da inserção do Estado em que começou a se pensar em novas formas interventivas, já que, até então, vinculava-se a caridade tradicional e, estas então, passaram a ganhar um certo caráter organizativo, contando com famílias da burguesia paulista e carioca.

É possível dizer que a partir desses fundamentos, a ação social assumia um caráter doutrinário, voltado a imperiosa relação com princípios imutáveis postos na Doutrina Social da Igreja Católica, sobretudo através de grandes Encíclicas Papais, a Rerun Novarum e o Quadragésimo Ano, as quais fomentavam o compromisso dos assistentes sociais com um homem de corpo e alma, predestinado ao bem comum. (GUEDES, 2001).

Não podemos deixar de mencionar que, dentre as ações burguesas, tivemos 2 importantes movimentos, sendo em 1920, no Rio de Janeiro, a Associação das Senhoras Brasileiras e, no ano de 1923, a Liga das Senhoras Católicas, em São Paulo. Essas instituições surgem dentro do movimento de reação católica e visam atender demandas oriundas do processo de desenvolvimento capitalista.

Nas décadas de 20 e 30, no Brasil, podemos dizer então que a técnica estava a serviço da doutrina social da igreja, enquanto que nas décadas de 40 e 50, houve influência norte-americana, marcado pelo tecnicismo, absorvendo dos preceitos da psicanálise, bem como da sociologia de base positivista3 e funcionalista sistêmica, sendo sua ênfase o ajustamento e a ajuda psicossocial.

Pode-se dizer que, no início a filantropia, uma vez sendo ela vinculada ao viés religioso, trabalhava apenas no sentido de moralizar e educar os indivíduos e, assim distanciava-se do rigor científico e do direito que começou a ser pensado somente após a década de 1940, sendo implementado de fato, em meados de 1960 com os movimentos mudancistas e de ruptura, influenciados pelo período ditatorial.

Avançando nos anos, chegando à década de 80 e 90, movimentos importantes se destacam no âmbito das ações sociais filantrópicas, como o surgimento da Pastoral da Criança, com a Dra. Zilda Arns Neumann e o Arcebispo Dom Geraldo Majella Agnelo a frente deste trabalho.

Com a proposta de oferecer mais que uma “ajuda” aos vulneráveis, começa-se a organizar uma rede de parcerias e a institucionalização de instrumentos sociais de atendimento, na luta pela ampliação e consolidação de direitos, na perspectiva transformadora, baseadas no conjunto articulado de ações em torno das questões de gênero, raça, crianças, idosos, meio ambiente e dentre outros.

A grande diferença desta concepção de voluntário para os primórdios das ações, se dá justamente no âmago de afastamento da mera intenção de ajuda aos mais pobres, passando a consciência de que a população é detentora de direitos, sendo o trabalho voluntário uma expressão da responsabilidade social cidadã até a responsabilidade social das empresas. Assim, a visão do voluntario à serviço da transformação passa a influenciar positivamente as formas mais tradicionais de filantropia.

As ações, por tanto, tornam-se cada vez mais organizadas e outros grupos e associações surgem nesse cenário e, preocupados com a formação de seus componentes, elaboram cursos e semanas de estudos.

Exemplo disso é a instituição dos chamados Centros de Voluntariado em 1997, os quais ficaram “encarregados de fomentar a cultura do voluntariado, capacitar voluntários e entidades sociais para o melhor aproveitamento desses recursos e criar estratégias de reconhecimento e valorização deste tipo de trabalho”. (CBVE, 2018).

Assim, cabe dizer que as questões sociais e a filantropia, ao longo de suas histórias sempre estiveram vinculadas ao tempo histórico que se situavam, caminhando juntamente com os avanços e retrocessos político e econômicos, bem como promoveu lutas, ao longo de sua historicidade na busca pela evolução e conquista de novas formas de trabalho, com foco na superação de vulnerabilidades e na diminuição das desigualdades de classe.

 

III – VOLUNTARIADO E RESPONSABILIDADE SOCIAL

 

[…] voluntário é o jovem, adulto ou idoso que, devido a seu interesse pessoal e seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração, a diversas formas de atividades de bem-estar social ou outros campos. (ONU, s/d).

 

Em última análise, cabe compreender como se estrutura o voluntariado no Brasil e sua finalidade no contexto contemporâneo, uma vez que a definição tecnicista não esgota nem traduz o voluntariado na sua essência, sendo necessário ampliarmos o estudo.

Regido no Brasil pela Lei n°9.608/98, o voluntariado apresenta o seu caráter nos seguintes termos

Art. 1o  Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa. (Redação dada pela Lei nº 13.297, de 2016)

Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.

Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.

Art. 3º O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.

Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar expressamente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço voluntário. (BRASIL, 1998).

 

Muito embora encontremos diferentes definições e conceituações para voluntariado, podemos considerá-la nos dias atuais como um instrumento não só para a prática da ação social, mas também como uma importante ferramenta para a garantia da segurança social e de bem-estar social, para o desenvolvimento de habilidades para recém formados e/ou estudantes, para o incremento de atividades e defesa de causas sociais por ativistas, além de seu papel essencial para as instituições não governamentais que contam com escassos recursos para subsistência.

O International Association for Volunteer Effort (IAVE) aduz que o voluntariado é “um serviço comprometido com a sociedade e alicerçado na liberdade de escolha. O voluntariado promove um mundo melhor e torna-se um valor para todas as sociedades”.

Nesta perspectiva, o Conselho Brasileiro de Voluntariado – CBVE categoriza o voluntariado em algumas modalidades, observe abaixo:

– Voluntário online: forma de participação que mais tem crescido no mundo todo, pois permite uma grande flexibilidade de tempo e distância, sem diminuir a capacidade de engajamento. Pela internet você pode fazer um número infinito de ações voluntárias, desde doação à participação ativa em ações ou programas.

– Voluntariado presencial: para esta modalidade é necessário que seja estabelecido um termo de adesão que deixe claro as responsabilidades do voluntário. Poderá haver dois tipos de vínculos:

Contínuo: onde a atividade a ser desenvolvida terá uma trajetória a ser cumprida.

– Voluntariado Pontual: ainda que conserve vínculo com alguma instituição, a participação é esporádica; como quando há convocação de mutirões de limpeza, pintura, conservação do ambiente ou qualquer tarefa, desde combinada previamente.

– Voluntariado assistencial: é quando o voluntário se engaja para atender a uma demanda social urgente e, para isso, dispõe um tempo para arrecadar alimentos, brinquedos e outros produtos para ajudar instituições beneficentes ou até comunidades.

– Voluntariado em desastres naturais: quem atua nessa frente, inscreve seu nome em um banco de dados da Instituição, se dispondo a ajudar em caso de emergências. No Brasil, essa atuação é frequente por meio da Defesa Civil de cada Estado, que mobiliza pessoas a auxiliarem em casos de situações que demandem apoio.

– Voluntariado empresarial: A empresa reúne seus colaboradores para apoiar de diversas formas e dá alguns incentivos que podem variar desde apoio a logística, até determinadas capacitações. Você pode localizar o departamento de Recursos Humanos da sua empresa para certificar-se se há uma mobilização desse tipo, ou então, propor a sua organização o desenvolvimento deste tipo de atividade.

– Volunturismo: Comumente entendido como qualquer atividade em que se combina o turismo com o trabalho de caráter social, desenvolvida em países que não o de origem das pessoas que participam, durante períodos que variam entre alguns dias a um mês. Alguns setores entendem o Volunturismo como uma oportunidade de aumentar os rendimentos de comunidades socioeconomicamente mais frágeis, bem como o acesso a recursos humanos e materiais. (Grifo nosso). (CBVE, 2018).

 

Como definido acima, podemos encontrar diversos tipos de voluntariado, filiados as intenções dos indivíduos e organizações governamentais ou não, que conforme surgem os problemas sociais, reagem a essas demandas com as ações filantrópicas ou de responsabilidade social, como é no caso das empresas, que no âmbito corporativo vem ganhando visibilidade dada a estruturação de seus programas e aumento de representatividade em temas de sustentabilidade.

De acordo com a CBVE (2018),

[…] A percepção das pessoas mudou muito nos últimos vinte anos. O voluntariado não é mais visto como algo para mulheres ricas ajudarem os mais pobres. Por outro lado, ainda temos aquela grande questão das pessoas olharem e dizerem “Isso é obrigação do governo!”.

De acordo com o World Giving Index 2016, “O brasileiro atribui predominantemente ao Governo a responsabilidade pela solução dos problemas sociais e ambientais. Em segundo lugar, a responsabilidade é dada como dos indivíduos, mais do que às empresas.

Agora, a população beneficiada pelo voluntariado não é mais vista como pessoas dependentes que precisam ser protegidas, o que era uma característica da concepção de dever de caridade. Agora se trata da defesa e promoção dos direitos dessa população e de outros, da participação cidadã ativa e recíproca entre iguais.

É nesta época também que o voluntariado empresarial começou a ganhar notoriedade, quando passa a ocorrer a disseminação do conceito de “cidadania empresarial”, que é a atuação social das empresas, principalmente em um contexto em que o Estado tem maiores desafios no cumprimento de todas as suas obrigações sociais. (CBVE, 2018).

Nesta perspectiva, o voluntariado é visto também como uma estratégia de responsabilidade social as empresas, contribuindo com a solução de conflitos e impactando a sociedade de forma positiva, bem como criando um clima institucional favorável a produtividade e trabalho coletivo. Assim, a CBVE (2018), considera que

[…] Do ponto de vista das organizações beneficiadas, podem ser citados como benefícios: a melhoria nos processos de gestão, o acesso a recursos humanos e financeiros, a melhoria na qualidade dos serviços prestados, entre tantos outros.

Por outro lado, para as empresas e seus colaboradores, as ações voluntárias trazem benefícios como a melhoria na relação da empresa com a comunidade, o aumento da motivação dos colaboradores, o fortalecimento do espírito de equipe e a melhoria do clima organizacional, a formação de novas lideranças e a melhoria da imagem institucional da empresa.

Além destes, dois benefícios muito importantes merecem seu destaque: o desenvolvimento de competências, onde o voluntariado se torna uma ferramenta para o desenvolvimento de profissionais, podendo gerar impacto na performance e na produtividade de seus colaboradores e o engajamento destes profissionais, pois, de acordo com estudos a prática de voluntariado trabalha a conscientização, o compromisso, o pertencimento, o orgulho e o desejo de compartilhamento. (CBVE, 2018).

 

Percebe-se por tanto, que a sociedade passa a reconhecer o voluntariado não somente como responsabilidade do estado, mas como um dever de todos: sociedade civil, governo e empresas.

É sob este olhar que se constitui a responsabilidade social, pensada de forma contínua e de longo prazo, a qual preocupa-se não somente com o auxílio imediato e pontual, mas na significativa alteração do cenário social, sobre a ótica de atendimento específico, por meio de programas e projetos sociais, englobando stakeholders, prestadores de serviço, consumidores comunidade e governo para promoção à cidadania, desenvolvimento social, focada nas transformações e não na caridade.

Se analisarmos a história do Brasil, não teríamos constituído os direitos sociais e os movimentos sociais existentes como são hoje, se não fossem as ações iniciais caritativas da burguesia e quem sabe como seriam as leis e as lutas do caminho.

Em resposta a tal ação, no âmbito acadêmico, cabe reflexão crítica de que a pauperidade social existe em decorrência do modelo econômico voraz em vigência. Em que pese as ações assistenciais sejam essenciais, cabe debruçarmos criticamente aos motivos que levaram a sua instituição e uma possível busca por mudanças favoráveis ao bem comum e a vida em sociedade, sendo essa responsabilidade, de todos.

 

CONCLUSÃO

 

Compreender a origem do voluntariado e o caminho por ele percorrido na história do Brasil mostra quão fascinante e imprescindível para o que conhecemos hoje por direitos sociais estivesse presente em nossa história.

A ampliação das percepções de nossa sociedade e das necessidades que dela emergem, levaram o voluntariado a avanços em sua atuação, passando a ser considerado como parte da responsabilidade social de cidadãos e empresas, em prol de transformações da sociedade e na atuação com a população exclusa do sistema capitalista que sofre com as manifestações da questão social, decorrentes dos procedimentos do capital.

Tem-se no cerne do voluntariado que ainda que pareçam pequenas intervenções, as ações que inicialmente parecem isoladas, fomentam ações coletivas que constroem mudanças.

Assim, as ações são embebidas de um ideal de comunidade comum, trazendo consigo a expressão do engajamento cívico inconformado com as discrepâncias sociais e disposto a executar ações para uma sociedade democrática com mais justiça e equidade.

Nesta conjuntura, considera-se como uma via de mão dupla o voluntariado, ou seja, há um “ganha-ganha”, em que se beneficia aquele que recebe a ação do voluntário e ganha o que o realiza (em experiência, engajamento, networking, desenvolvimento pessoal e cívico, aprendizado em trabalho em grupo e desenvolvimento psíquico).

O voluntariado constitui, por tanto, em uma ferramenta de manifestação múltipla, a qual agrega diferentes indivíduos, nas mais variadas modalidades de execução, podendo ocorrer em diferentes momentos históricos, agindo nas mais necessidades criadas pela sociedade.

A responsabilidade social já é parte da realidade social contemporânea e constitui-se como um avanço nas análises interventivas sociais, respondendo as demandas das quais o estado não consegue, por si só, solucionar.

 

REFERÊNCIAS

 

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CIEDS. Voluntariado Internacional. Cartilha. Disponível em: <http://www.cbve.org.br/wp-content/uploads/Voluntariado_Internacional.pdf>. Acesso em: 06.10.2020.

 

EFFORT, International Association for Volunteer. (IAVE). Volunteer. Disponível em: <https://www.iave.org/>. Acesso em: 06.10.2020.

 

GUEDES, Olegna de Souza. A compreensão da pessoa humana na gênese do Serviço Social no Brasil: uma influência neotomista. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 4, p. 126, 2001.

 

IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metolológica. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

 

________. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios críticos. 4ed. São Paulo: Cortez, 1997.

 

________. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

 

________. Projeto profissional, espaços ocupacionais e trabalho do assistente social na atualidade. In: CFESS-Conselho Federal de Serviço Social. Atribuições privativas do(a) assistente social. Brasília: Cfess, 2002.

 

LIMA, Arlete Alves. Serviço Social no Brasil: a ideologia de uma década. 3. ed.São Paulo: Cortez, 2001.

 

MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

 

ONU. Voluntariado. Disponível em: <https://brasil.un.org/>. Acesso em: 06.10.2020.

 

VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Filosofia da práxis. 2 ed. Tradução de Luiz F. Cardoso. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

 

 


1 Para Karl Marx (2013), o conceito de Mais-Valia refere-se ao trabalhador receber o salário equivalente a apenas um curto período do dia, enquanto, o restante do seu dia de trabalho era oferecido gratuitamente ao capitalista (MARX, 2013).

2  Consideramos aqui como recursos primários: condições de subsistência como acesso a habitação, energia, água, alimentação e dentre outros.

3  O positivismo, de Augusto Comte, defende a ideia de que “o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro, desconsiderando todas as outras formas do conhecimento humano que não possam ser comprovadas cientificamente”.

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